A beleza da destruição: veja obras de cerâmica quebrada
O ceramista holandês Bouke De Vries disse ao Designboom que olhou para a perfeição versus imperfeição, a beleza na destruição e o lugar da cerâmica na História. Ao se indagar sobre a profundidade das falhas, ele restaura a cerâmica quebrando-a em pedaços e depositando-os em uma urna transparente.
Ele não pretende preencher as lacunas do vaso, mas sim presentear o novo lar das cerâmicas quebradas com espaços, permitindo que os espectadores perscrutem as pinturas centenárias que pontilham os cacos. O título que ele deu à sua série de vasos – Memory Vessel (Recipiente de Memórias em tradução livre) – encarna a história melancólica dos fragmentos, enchendo a câmara outrora oca com as lembranças do passado para reviver o presente.
Nascido em Utrecht, Holanda, de Vries estudou arte na Design Academy Eindhoven e na Central St Martin’s London. Ele entrou na indústria da moda e trabalhou com John Galliano, Stephen Jones e Zandra Rhodes. O reino da moda, com todos os seus brilhos e ouro, no entanto falhou em lançar seu feitiço surrealista e hiperpop no jovem de Vries, quando ele aceitou um convite para mudar de carreira e estudar conservação e restauração de cerâmica no West Dean College.
A partir de seus estudos, o ceramista analisou o valor atribuído às obras de arte no passado e notou a discrepância na forma como as pessoas percebem certas obras de arte.
Todos os dias, em sua prática como conservador particular, ele lidava com questões e contradições em torno da perfeição e dos valores que o levavam a refletir sobre a restauração e a valorização da beleza. “A Vênus de Milo é venerada apesar de ter perdido os braços, mas quando uma musa Meissen perde um dedo, ela se torna praticamente inútil”, escreve ele em seu site.
Empregando sua recém-descoberta habilidade como restaurador, de Vries materializa seu poder e filosofia dando origem a suas obras de arte e instalações “explodidas”, como maneira do ceramista e do artista de reavaliar a reverência, tradição e valor dado às obras do passado.
De Vrie na Homo Faber Event
De Vries participa da Homo Faber Event, em Veneza, um encontro de artesãos contemporâneos. Até 1º de maio, o evento homenageia o Japão e seus melhores mestres artesãos e designers. Uma celebração do diálogo entre a terra do sol nascente e a Europa por meio de produtos de design e arte.
O ceramista e artista holandês adota a técnica japonesa de kintsugi para juntar cerâmicas quebradas em várias de suas esculturas. Kintsugi – emenda dourada – é a prática de reparar cerâmicas com laca dourada, incorporando a “dor” do objeto em sua história. De Vries segue um conceito semelhante, acreditando que mesmo algo quebrado, ainda pode ser bonito. Ele emprega seus talentos refinados de conservatório para infundir novos valores em suas composições e promover suas narrativas.
Ele chama seu estilo de “a beleza da destruição”, proveniente da crenças de que, ao reconstruir objetos, ele os desconstrói. Em vez de esconder as evidências do momento mais dramático na vida de um objeto cerâmico, ele enfatiza seu novo estado e infunde nele novas virtudes.
Conforme escrito em seu site, “As obras ecoam as pinturas de natureza morta dos séculos XVII e XVIII de sua herança holandesa, especialmente as pinturas de flores da Idade de Ouro Neerlandesa, uma tradição na qual sua cidade natal, Utrecht, estava mergulhada – de Heem, van Alst, van Huysum inter alia – com sua decadência implícita. Ao incorporar itens contemporâneos, um novo vocabulário de simbolismo evolui.”
Natureza mortas
Essas “naturezas mortas” – natures morts – imbuem objetos do cotidiano encontrados em casas, como um prato, uma jarra de leite ou um bule, com uma pungência moderna que remonta às pinturas históricas de Vanitas e Momento Mori. De Vries também presta homenagem a figuras reverenciadas do passado ao instalá-las no centro de suas obras, cercadas pelas características de seu artesanato.
Em “Guan Yin In A Sky of Saucers”, a escultura de Guan Yin, uma deusa da misericórdia e compaixão, é cercada por uma nuvem de pratos de porcelana chinesa do século XVIII. Pilhas de pratos pairam atrás da cabeça da deusa, cujo corpo de porcelana rachado comunga com os pedaços de cerâmica como um quimono dentro de seu corpo.
A distopia no meio de uma transição de ficção científica permeia “Teapot”, uma escultura criada a partir de peças montadas de um bule de porcelana chinesa do século XVIII, folhas de chá e mídia mista. De acordo com o evento, esta é a primeira escultura de bule que Bouke de Vries criou, uma representação de um objeto em processo de quebra, com todo o seu conteúdo derramado. À medida que o conteúdo flutuante se espalha pelas fendas, o visual dá a esse incidente traumático um contexto poético.
Um novo começo
De Vries compartilha que, quando ele restaura um objeto que “vale” a restauração, alguns clientes preferem esconder os danos em seus bens valiosos o máximo possível.
Ele chama isso de negação da “evidência do que foi provavelmente o episódio mais dramático na vida da peça, especialmente porque os métodos modernos trazem diversas opções de restauração”. No entanto, perfeição denota defeito para o artista, um amontoado de defeitos e falhas que renova a definição de beleza, se não cria uma nova.
Quando De Vries comprou uma figura de porcelana não esmaltada de um menino holandês no 26th Street Flea Market, em Nova York, a peça foi danificada. Ele guardou seus fragmentos em casa. Anos depois, ele remontava as peças de porcelana pendurando-as e colando-as em um poste fino e transparente com hastes.
Ele quebra a paleta monótona com um pequeno coração vermelho posicionado nos pulmões do menino holandês. Intitulada “Retrato do Artista I”, a escultura é a primeira peça que Bouke de Vries criou. No momento em que ele juntou tudo, sabia que se iniciava um novo começo.
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